O século 19 foi o tempo do liberalismo político, dos direitos e liberdades cívicas. No século 20, o grande desafio foi como responder às necessidades das classes trabalhadoras e das massas empobrecidas, e por isso esse foi o século da social-democracia, dos direitos econômicos, sociais e culturais e do Estado-providência.
O nosso século, o 21, tem de ser o século da responsabilidade ambiental perante a crise ecológica, as mudanças climáticas e a radical perda de biodiversidade no planeta, além da ocorrência de fenômenos meteorológicos extremos e de pandemias.
Pelo esboço acima, fácil seria concluir que o essencial de um consenso político para os nossos tempos deveria ser um tripé com esses três elementos: o liberalismo político (legado pelo século 19); a social-democracia (consolidada no século 20); e a ecologia (de que precisamos no século 21).
Mas nesse caso, por que raios o que está acontecendo é praticamente o oposto? Em cada vez mais países pelo mundo há porções consideráveis do eleitorado, beirando a maioria ou mesmo por vezes a ultrapassando, que rejeitam simultaneamente esses três princípios que teoricamente nos deveriam deixar mais do que satisfeitos se fossem razoavelmente cumpridos.
Números perigosamente altos dos nossos concidadãos dizem rejeitar os princípios do liberalismo político (o Estado de direito, os direitos humanos, a alternância pacífica do poder), afirmam repulsa pelo igualitarismo e universalidade das políticas públicas social-democratas e negam radicalmente a realidade da emergência climática e ecológica.
O que explica isso?
Em primeiro lugar, creio que se trata da velocidade e do acúmulo de mudanças (como defendi há uns tempos na coluna “O problema é que a mudança mudou”. O emaranhado dessas mudanças, da inteligência artificial às migrações em massa, do deslocamento da riqueza à desinformação, é de tal ordem que assusta e desorienta, levando muita gente a descrer de uma receita ideológica clássica, segura, mas trivial e não entusiasmante.
Em segundo lugar, essa incerteza é tal que nos coloca já não só perante uma “era de mudança”, como dizia o papa Francisco, mas antes numa “mudança de era”. A mudança de era significa que os pressupostos de base da ação política acabam sendo integrados até pelos seus adversários. Para dar dois exemplos: depois de Roosevelt, dos sociais-democratas (ou de Getúlio Vargas), até os conservadores concordaram em que era preciso garantir direitos trabalhistas; depois de Reagan e Thatcher, até os progressistas alinharam em privatizações e desregulamentação.
O problema é que ninguém sabe ainda para que mudança de era caminhamos. A proposta mais visível em todo o mundo é a do nacionalismo autoritário, que ganha força como forma de responder às ansiedades que descrevi.
Mas há uma alternativa: a de um Novo Contrato Verde, com investimentos públicos vigorosos, para alcançar um equilíbrio entre humanidade, natureza e tecnologia. Essa alternativa não pode ficar só na teoria: ela tem de ter objetos de desejo político concretos e palpáveis. Por isso voltarei a ela em crônicas futuras.