Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) trouxe uma descoberta que pode mudar a maneira como a medicina entende duas condições bastante comuns: TDAH e dor crônica.
Foi identificada uma forte ligação genética entre essas duas condições, mostrando que elas compartilham características muito mais próximas do que se imaginava.
A pesquisa, publicada na revista científica Biological Psychiatry Global Open Science, aponta que pessoas com TDAH e dor crônica têm predisposições genéticas em comum, o que ajuda a explicar por que muitos pacientes convivem com os dois problemas ao mesmo tempo.
O trabalho foi liderado pelo professor Diego Rovaris, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O estudo também faz parte da Rede TDAH Brasil, que é considerada a maior iniciativa de pesquisa sobre essa condição em adultos da América Latina.
O que o estudo revela sobre a ligação entre TDAH e dor crônica
O TDAH, que é o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, é uma condição do neurodesenvolvimento, ou seja, surge na infância e está ligado ao desenvolvimento do cérebro.
Afeta funções como atenção, controle dos impulsos, organização e regulação emocional.
O estudo liderado por pesquisadores do ICB-USP analisou dados genéticos de mais de 766 mil pessoas e revelou um dado surpreendente: existe uma correlação genética muito forte entre TDAH e dor crônica.
Essa conexão é, inclusive, três vezes maior do que a relação entre TDAH e enxaqueca, que já era conhecida pela ciência.
Em termos simples, isso significa que quem tem predisposição genética para TDAH também tem maior risco de desenvolver dores crônicas, aquelas que permanecem por meses e muitas vezes não têm uma causa física evidente.
Como o DNA explica a relação entre TDAH e dor crônica
Os dados mostram que mais de 80% das variações genéticas analisadas afetam tanto o TDAH quanto a dor crônica na mesma direção.
Ou seja, os genes que aumentam o risco de uma condição também elevam o risco da outra.
Outro achado importante é que os pesquisadores identificaram 12 regiões do DNA que são compartilhadas entre TDAH e dor crônica, enquanto, por comparação, TDAH e enxaqueca compartilham apenas uma região genética em comum.
De acordo com o professor Diego Rovaris, líder do estudo, isso reforça a ideia de que a dor crônica não deve ser vista apenas como um problema físico, mas como uma condição que também envolve o funcionamento do cérebro e do sistema nervoso.
“Não podemos mais tratar a dor crônica apenas como uma questão do corpo. Existe um componente neurológico e ligado ao desenvolvimento do cérebro, que tem muito a ver com o que ocorre no TDAH”, explica Rovaris.
Como isso se reflete na vida dos pacientes?
Para entender como essa ligação entre TDAH e dor crônica aparece na prática, os pesquisadores também analisaram um grupo de 1.660 brasileiros.
Eles perceberam que quanto maior era o risco genético para dor crônica, mais intensos eram os sintomas de TDAH, principalmente no que diz respeito à impulsividade e à hiperatividade.
Outro dado interessante é que esses fatores genéticos estavam ligados a alterações estruturais no cérebro, ou seja, mudanças em áreas específicas que já são bem conhecidas por estarem relacionadas ao transtorno.
Além disso, surgiram relatos de pacientes com dor crônica que tiveram melhora significativa da dor após começarem um tratamento específico para o TDAH.
Embora sejam casos isolados, eles mostram que tratar o transtorno pode, em alguns casos, ajudar também no alívio da dor.
O que muda no diagnóstico e no tratamento?
Com os resultados desse estudo, parece ficar evidente que os profissionais de saúde precisam repensar a forma de entender e tratar a dor crônica.
Isso significa que, quando a dor persistente aparece junto com condições como TDAH, ansiedade, depressão ou outros transtornos do neurodesenvolvimento, ela não deve ser tratada apenas como um problema físico.
Deve ser entendida também como uma questão que envolve o funcionamento do cérebro e fatores genéticos.
Segundo o pesquisador Nicolas Ciochetti, isso abre portas para tratamentos mais integrados, que considerem tanto os sintomas de dor quanto as questões comportamentais e emocionais dos pacientes.
“Quando entendemos que dor crônica e TDAH compartilham uma base biológica, conseguimos pensar em abordagens terapêuticas mais eficazes e direcionadas. Isso pode melhorar muito a qualidade de vida das pessoas”, afirma Ciochetti.
Outra implicação prática é que pacientes que sofrem há anos com dor crônica, e que muitas vezes não encontram explicações ou tratamentos eficazes, podem se beneficiar de uma investigação para saber se também apresentam TDAH ou outras condições relacionadas.
TDAH e dor crônica: muito além dos sintomas físicos
Este estudo também reforça uma visão mais ampla da saúde, em que as divisões entre corpo e mente estão cada vez mais ultrapassadas.
As descobertas mostram que a dor crônica não é apenas resultado de lesões, inflamações ou desgastes físicos, mas que ela pode estar profundamente ligada ao funcionamento do cérebro e ao desenvolvimento neurológico desde a infância.
Aliás, essa não é a primeira vez que a ciência encontra conexões do TDAH com outras condições além da saúde mental.
Já se sabe que o transtorno também tem relação com obesidade, diabetes tipo 2, doenças autoimunes, transtornos de humor e dependência de substâncias.
Com a nova descoberta, a ligação entre TDAH e dor crônica se torna mais uma peça desse quebra-cabeça, mostrando como o cérebro e o corpo estão intimamente conectados.
O que dizem os pesquisadores?
Para o professor Diego Rovaris, essa é uma oportunidade de mudar paradigmas na medicina.
Ele defende que, assim como já acontece em algumas abordagens modernas, é fundamental que a dor crônica passe a ser considerada também uma questão de saúde mental e neurodesenvolvimento, e não apenas um problema físico.
“Estamos propondo uma mudança de paradigma. A dor crônica pode e deve ser considerada também como uma condição de saúde mental em muitos casos”, reforça Rovaris.
O próximo passo, segundo os pesquisadores, é aprofundar os estudos para testar, em ensaios clínicos, se os medicamentos usados para tratar TDAH podem, de fato, ser eficazes também no controle da dor crônica.
Caso isso se comprove, muitas pessoas que hoje sofrem sem uma solução definitiva podem ter esperança de tratamentos mais eficazes e personalizados.
✅ Leitura Recomendada: Mulheres que tomam café pela manhã envelhecem melhor, revela pesquisa de Harvard