O cessar-fogo entre Israel e Irã, que entrou em vigor nesta terça-feira (24), representa alívio ao regime iraniano em um momento de intensa pressão. Pouco antes de anunciar o acordo, Donald Trump disse esperar que Teerã “possa seguir rumo à paz e harmonia”. Depois, afirmou que não quer ver uma mudança no poder do país, pois, segundo ele, tal acontecimento levaria ao caos.
À Folha, o opositor iraniano Arash Hamedian afirma que a população do Irã se sente traída após as declarações de Trump. A trégua anunciada pelo republicano, acrescenta ele, é boa para a teocracia, mas “muito ruim para o povo porque agora começa a repressão” de dissidentes que almejam a queda do regime, no controle do país desde a Revolução Islâmica de 1979.
“Se o regime permanecer no poder, haverá execuções em massa”, diz Hamedian. “Eles continuarão a oprimir o povo iraniano e a aterrorizar a oposição fora do Irã enquanto estiverem no poder. O único caminho para a paz e a harmonia entre Irã, Israel, Oriente Médio e o mundo é uma mudança de regime no Irã. Qualquer outro cenário levará ao caos e à destruição.”
Hamedian afirma que o regime já vem determinando prisões para criar medo. Em 12 dias de conflito, as autoridades iranianas prenderam cerca de 700 pessoas acusadas de espionar para Israel, de acordo com a agência de notícias Nournews, afiliada ao principal órgão de segurança do país.
O opositor atualmente mora na Alemanha. Ele deixou o Irã em 2009 porque, sem liberdade de expressão, diz que se sentia sufocado e em constante perigo. Agora, acompanha a crise à distância e teme pela segurança de familiares, que continuam no país. Os contatos foram perdidos, afirma, porque o regime derrubou a internet após os ataques de Israel contra instalações nucleares iranianas, no último dia 13.
“Há apenas dois anos houve uma revolução iraniana desencadeada por Mahsa Amini [morta enquanto estava sob custódia da polícia moral por supostamente não usar o véu islâmico da forma correta]. É por isso que eles [regime]querem controlar o sinal: para garantir que terão apoio. Quando o regime corta a internet, é como a escuridão. Eles matam, matam e matam e não há qualquer notícia”, afirma.
Os protestos que eclodiram após a morte de Amini, em 2022, representaram a ameaça mais grave até então ao regime dos aiatolás desde a criação da República Islâmica. Milhares de manifestantes aproveitaram a mobilização para reivindicar mudanças estruturais. O Irã já passava por uma crise econômica severa, agravada pelas sanções internacionais. Agarrando-se ao poder, o regime respondeu com brutalidade. Mais de 500 pessoas foram mortas, e outras 22 mil, detidas desde o início do levante.
O regime, já enfraquecido, ficou ainda mais debilitado após os bombardeios sem precedentes feitos por Israel e EUA, diz Hamedian. “Só que eles ainda têm militantes armados nas ruas. Então, diante do povo desarmado, ainda parecem fortes.”
O opositor também contesta a declaração de Trump de que a queda do regime levaria ao caos. Para Hamedian, o estabelecimento de um novo governo pautado pelo extremismo religioso é quase impossível devido à alta rejeição à teocracia atualmente no poder. Atualmente, afirma, até mesmo pessoas religiosas defendem que a religião não deve se misturar com a política. Um novo governo, portanto, tende a ser bem mais moderado.
Nesse sentido, o opositor defende que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve cortar todo o tipo de relacionamento com o regime, algo que representaria uma guinada em relação aos posicionamentos recentes da diplomacia brasileira. Ao longo do conflito, o presidente fez críticas mais incisivas a Israel.
Em reunião do G7 na semana passada, por exemplo, Lula afirmou que os ataques de Israel ao Irã ameaçam fazer do Oriente Médio um único campo de batalha, com consequências globais inestimáveis, mas sem fazer referência nenhuma à retaliação de Teerã.
Enquanto o regime continua no poder, Hamedian dá continuidade aos esforços para, nas palavras dele, conscientizar as pessoas sobre a realidade do Irã.