O cabo do Elevador da Glória, em Lisboa, passou por vistoria poucas horas antes do acidente que deixou ao menos 17 mortos e mais de 20 feridos. A inspeção, realizada na manhã de quarta-feira (3), das 9h13 às 9h46, constatou que o equipamento estava em “perfeitas condições”. O componente ainda teria 263 dias de uso antes da troca obrigatória, prevista a cada 600 dias.
O procedimento de rotina exige que o técnico acompanhe uma viagem completa, observando todo o cabo. Caso fossem identificados fios partidos, o sistema deveria ser interrompido imediatamente. O fato de não ter sido encontrada nenhuma falha sugere que o acidente pode ter ocorrido devido ao desprendimento do cabo de um dos bondinhos, em razão de falha de fixação. Nesse caso, a irregularidade não seria identificável na inspeção.
A manutenção dos funiculares de Lisboa é feita desde 2019 pela empresa terceirizada Main. O presidente da Carris, Pedro de Brito Bogas, declarou ter plena confiança no serviço e preferiu não antecipar responsabilidades antes da investigação oficial. O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes Ferroviários divulgará nota neste sábado (6) e deverá apresentar um relatório preliminar em até 45 dias. O prazo é considerado longo devido à falta de pessoal: apenas um funcionário é responsável por investigar acidentes ferroviários em todo o país.
No passado, até 2007, a Carris mantinha 24 trabalhadores dedicados exclusivamente à manutenção dos bondinhos da Glória, Lavra, Bica e Santa Justa, em regime de plantão 24 horas. Um dos métodos de inspeção incluía deslizar o cabo com luvas, verificando manualmente se havia fios soltos. Atualmente, a equipe foi reduzida a seis pessoas, e as vistorias ocorrem apenas uma vez por dia.
Relatos de guardas-freios já apontavam problemas recentes no funcionamento do Elevador da Glória, como folgas no cabo e cabines que balançavam mais do que o normal. Em um incidente anterior, o bondinho chegou a bater nos degraus da Rua da Misericórdia após falha no freio, embora sem causar feridos.
Especialistas ouvidos pelo jornal Público afirmaram que a sobrecarga causada pelo turismo intensificou o desgaste do equipamento. Carlos Neves, presidente do Colégio de Mecânica da Ordem dos Engenheiros, afirmou que a alta demanda exige revisão dos parâmetros de manutenção. O especialista lembrou que passageiros mais agitados, como grupos de turistas, contribuem para aumentar a fadiga dos materiais.
A terceirização também teria provocado perda de conhecimento técnico acumulado ao longo das décadas. Engenheiros e operários antigos dominavam detalhes empíricos sobre os equipamentos, conhecidos como as “manhas da máquina”, o que não se repete em empresas contratadas por períodos de apenas três ou quatro anos.
O Elevador da Glória, inaugurado em 1885, já havia sofrido um descarrilamento em 2018, sem vítimas, quando foi constatado que as rodas estavam excessivamente gastas. Questionadas na época, nem a Carris nem a Câmara de Lisboa responderam sobre as falhas de segurança.

